Miguel Alves, ex-Presidente da Câmara Municipal de Caminha e
atual Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, está no centro do fogo
mediático.
O atual governante assumiu a presidência do Município de
Caminha no ano em que eu cessei funções como Presidente da Câmara Municipal de
Esposende, o que significa que nunca privamos e nunca fomos colegas. A única
vez que contactei com ele já foi no exercício de funções privadas e devo dizer
que até nem fui muito bem atendido. Muito possivelmente o autarca caminhense já
seria uma das muitas pessoas que já estaria condicionada na sua opinião
relativamente à minha pessoa por obra e graça de algum espírito santo de orelha.
Neste sentido, tudo o que possa aqui escrever e que seja entendido como
favorável ao governante em causa não está minimamente condicionado por qualquer
relação pessoal ou de amizade e muito menos por qualquer motivação partidária.
Quando ouvi as primeiras notícias sobre o “caso” que envolve
Miguel Alves no exercício de funções autárquicas, e que está na ordem do dia,
julguei tratar-se de mais um caso de alegada corrupção e favorecimento pessoal.
Contudo, pelo que já tive oportunidade de ler e ouvir, não é propriamente isso
que estará em causa. Ressalvo que posso estar a fazer uma análise errada por não
estar em posse de toda a informação.
O que Miguel Alves aparentemente fez, foi aquilo que dezenas
ou centenas de autarcas fizeram e continuam a fazer: uma habilidade para conseguir
executar o que a autarquia, cumprindo as regras, jamais poderia executar.
Miguel Alves quis construir um mega Centro de Exposições, ou
seja, mais um daqueles equipamentos municipais megalómanos que se construíram e
constroem por esse país fora, completamente desajustados das necessidades e da
dimensão dos municípios, e que em muitos casos ficam às moscas ou fechados
porque depois nem sequer há dinheiro para os manter em funcionamento.
O problema é que não basta querer fazer: é preciso ter dinheiro.
Sendo o Município de Caminha um município de pequena/média
dimensão, logo com recursos financeiros muito limitados, jamais teria
capacidade para canalizar vários milhões de euros para a construção do Centro
de Exposições. A alternativa poderia ser o recurso a um empréstimo bancário, só
que o Município já estava endividado para além dos limites que a lei permitia,
o que significava que do ponto de vista legal jamais conseguiria obter as
autorizações necessárias para a contratação de mais um empréstimo.
Sem dinheiro próprio e sem possibilidade de pedir um empréstimo,
havia que encontrar uma solução engenhosa para a construção do equipamento, até
porque seria certamente do agrado da população, que regra geral pouco ou nada
se importa com a situação financeira das câmaras e até nem se importaria que houvesse uma Altice
Arena em cada concelho.
A solução que Miguel
Alves encontrou não teve nada de engenhoso, uma vez que foi uma espécie de parceria
público-privada informal, à semelhança do que se fez em vários outros municípios: arranjou uma empresa que construísse o equipamento assumindo o respetivo custo,
comprometendo-se o Município a pagá-lo em 25 anos, em “suaves” prestações a que
chamavam “rendas”. No fundo, era comprar um equipamento às prestações.
É óbvio que nenhuma empresa arriscaria iniciar a construção
de um equipamento de vários milhões de euros sem uma garantia de que iria
depois ser ressarcida. É certamente neste sentido que surge o contrato-promessa
de arrendamento de um equipamento que ainda iria ser construído.
Habilidades destas fizeram-se e fazem-se em todo o país sem
que ninguém levante qualquer questão. O "azar" de Miguel Alves foi ter abandonado
a Câmara Municipal e ter ido para o Governo, numa altura em que existe
claramente uma caça jornalística às “irregularidades” e incompatibilidades envolvendo
membros do Executivo.
Se não estiver em causa corrupção e favorecimento pessoal, pode
mesmo assim considerar-se este procedimento ilegal? Talvez. Pode considerar-se do
ponto de vista político e da gestão um procedimento correto? De forma alguma,
porque se não for mais é indicador de uma postura infelizmente muito típica nos
meandros autárquicos e que consiste no “eu faço agora e inauguro e quem vier a seguir
que pague”.
Só tenho pena que a atenção que está a ser dada a este caso
não seja dada também a casos muito mais graves, com outros protagonistas, e que envolvem alterações a planos de ordenamento para beneficiar construtores com mais
construção ou legalização de construções ilegais; ajustes diretos fictícios
para pagamento de despesas de campanhas eleitorais; ajustes diretos por
valores 2 e 3 vezes superiores aos valores de mercado para favorecimento pessoal; constituição de sociedades por pessoas próximas de autarcas, com as
mesmas a investirem centenas de milhares de euros em terrenos com localização estratégica e com potencial de
valorização; processos judiciais envolvendo autarquias e empresas
privadas, previamente acordados entre as partes, para branquear indemnizações
milionárias; compra de terrenos destinados a habitação e posterior revenda
para a construção de superfícies comerciais, com centenas de milhares de euros
de ganho num curto espaço de tempo; avultados investimentos públicos na
valorização de património privado; etc, etc, etc.
Voltando a ressalvar que não conheço os pormenores deste
caso que envolve Miguel Alves, e tendo-me limitado a fazer uma análise em
função daquilo que fui vendo e constatando como sendo infelizmente práticas comuns na gestão autárquica,
arrisco dizer que este caso comparado com o que muito
se vai fazendo por esse país fora, não passa de “pinutes”, como diria JJ.